Thaís Magrini Schiavon [1]
Izabella Romero Pacheco [2]
Desde o surgimento das novas tecnologias e da Internet das Coisas, previa-se que em breve nossa vida cotidiana iria se adaptar integralmente à esfera digital. Apesar de todas estas previsões futuristas, ninguém poderia prever que uma pandemia mundial causada por um vírus extremamente contagioso poderia acelerar tão drasticamente esta mudança na economia e nos negócios, como a que aconteceu com o surgimento do Coronavírus.
Com a adoção do isolamento social como método para conter a transmissão deste vírus, empresas e indústrias foram obrigadas a adaptar seus negócios e toda a sua estrutura interna para o meio digital de maneira muito rápida.
Antes de adaptar o negócio para o meio digital, é necessário observar a efetiva viabilidade de se optar por ele, não somente considerando a natureza do negócio, mas também as dificuldades do colaborador, que, ao fim e ao cabo, é a força-motriz que sustenta a empresa.
Segundo a perspectiva da Organização Internacional do Trabalho [3], apenas 15 a 18% dos trabalhadores que estavam empregados no início da pandemia do Coronavírus poderão se adaptar de forma segura ao teletrabalho, seja em razão de suas próprias ocupações ou por questões ligadas diretamente à infraestrutura.
No Brasil, segundo as informações obtidas pela ANATEL [4], no Sudeste apenas 60,9% das residências têm acesso a internet a cabo, enquanto que segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) elaborada pelo IBGE no ano de 2018 [5], apenas 48,1% da população brasileira tem um microcomputador em casa, questões que inevitavelmente limitam o exercício do ofício pelo colaborador via remota.
Por conta disso, o artigo 4º da Medida Provisória nº 927/2020 [6] instituída ainda o início da pandemia dispõe que quando o empregado não tem esses equipamentos em casa, incumbe ao empregador o dever dar todo o suporte e as ferramentas que visem facilitar e viabilizar a realização das atividades via remota.
Essa regra somente não será aplicável caso o contrário estiver em contrato escrito assinado pelas duas pontas da relação trabalhista, conforme dispõe o artigo 75-D da CLT [7].
Apesar disso, a disponibilização dos equipamentos para o empregado pelo empregador se mostra interessante à proteção da segurança da informação da empresa, porque dentro de uma razoabilidade e proporcionalidade, permite que haja a adoção de mecanismos que bloqueiem o acesso de pessoas estranhas ao trabalho que será realizado por meio de senha pessoal, assim como pelo uso de antivírus específico e manutenções técnicas periódicas pela própria equipe de tecnologia da informação da empresa, como se o equipamento na empresa estivesse, por exemplo.
Mesmo com isso, é importante ponderar que, mesmo em residências em que há a disponibilidade de um microcomputador, é extremamente comum que ele seja compartilhado com outras pessoas que residem na mesma casa, o que impõe desafios às empresas, pois elas deverão estar preparadas para eventuais ataques virtuais advindos do acesso de terceiros, ou do próprio colaborador, no equipamento domiciliar em que a rede empresarial esteja conectada, já que há limitação da interferência do empregador na esfera privada do seu empregado, como o artigo 5º, X da Constituição Federal [8].
Independentemente da propriedade do equipamento, para que haja a implantação do teletrabalho de forma definitiva pelas empresas, ainda que em sistema rotativo, é imprescindível que sejam realizados treinamentos periódicos sobre segurança da informação aos empregados, como determina o próprio artigo 50 da LGPD [9], a fim de informá-los sobre as medidas que devem ser tomadas na utilização da rede empresarial em ambiente doméstico, inclusive pelo fato de que, a princípio, a responsabilidade frente ao terceiro prejudicado será da própria empresa conforme expressa determinação do artigo 932 do Código Civil [10].
Outro aspecto a ser considerado é que a grande maioria das empresas, ainda armazenam os seus dados e têm suas redes conectadas em servidores físicos e centralizados, o que os torna ainda mais suscetíveis à ataques cibernéticos.
Existem algumas alternativas que podem ser utilizadas para prevenir essas ocorrências, como por exemplo, soluções de VPN (Virtual Private Network, ou, em português, Rede Privada Virtual), com proteção criptográfica, além da migração dos dados armazenados em servidores físicos para computação em nuvem (em inglês, cloud computing), como as soluções trazidas por servidores da Amazon e Microsoft; assim como o desenvolvimento de verdadeiras redes de proteção usando a tecnologia blockchain, apenas para citar exemplos.
A solução mais adequada deve ser analisada em cada caso em concreto pelo gestor da empresa e pela equipe de segurança da informação, preferencialmente em conjunto com a equipe jurídica que acompanhará o cumprimento da LGPD nas rotinas da empresa.
Juntas, essas peças importantíssimas desse processo deverão alinhar as estratégias que tecnicamente se adequam melhor à realidade da empresa e dos dados que são por ela processados para efetuar a escolha de uma dentre as diversas alternativas que proporcionarão a melhor adaptação da estrutura da empresa para o digital.
* Este texto é uma adaptação do artigo publicado no livro “O Direito dos Negócios na Era Pós Covid-19”, organizado por David França Carvalho e Dan Markus Kraft, lançado pela Editora D’Plácido em 2020, que pode ser adquirido aqui [inserir hiperlink: https://www.editoradplacido.com.br/direito-dos-negocios-na-era-pos-covid-19].
[1] Advogada do Bega, Sbrissia & Alarcão Advogados – Curitiba/PR. Especialista em Direito Internacional pelo CEDIN, com formação em Negociação Internacional pelo Centro Avançado de Negociação Internacional do Instituto das Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (CAENI/IRI-USP), e em Arbitragem Comercial e de Investimentos pela Universidad Complutense de Madrid (Espanha). Secretária-Geral da Comissão da Mulher Advogada da Seccional da OAB do Paraná; membro das Comissões de Direito Internacional e de Gestão e Inovação da Seccional da OAB do Paraná; membro da Coordenação Nacional das Relações Brasil-China do Conselho Federal da OAB. E-mail: thais@bsaadvogados.com.br.
[2] Sócia e Coordenadora da Área Cível e Consumidor da Sociedade Bega, Sbrissia & Alarcão Advogados – Curitiba/PR. Especialista em Processo Civil pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacelar, Aperfeiçoamento em Direito Lato Sensu pela Escola da Magistratura do Estado do Paraná, Especialista em Direito de Família pela UNICURITIBA, Bacharel em Direito pela UNICURITIBA. E-mail: izabella@bsaadvogados.com.br.
[3] “Digitalisation has accelerated both the automation of work, which eliminates or changes job functions, and the creation of work via digital platforms. The pandemic induced economic downturn may serve to accelerate automation, […] The COVID-19 crisis has further stimulated debates around the platform economy, though it represents only a modest (but growing) share of youth employment, and teleworking, which is not feasible for all workers and occupations. Prior to the COVID-19 pandemic, most teleworking was occasional, with just a small percentage of workers, mostly mid-life professionals and managers with a high level of responsibility that teleworked. The ILO estimates that only between 15 to 18 per cent of workers globally are employed in occupations and live in countries where the necessary infrastructure allows them to effectively perform their work from home”. INTERNATIONAL LABOR ORGANIZATION. Preventing exclusion from the labour market: Tackling the COVID-19 youth employment crisis. May, 2020. Disponível em: <https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—ed_emp/documents/publication/wcms_746031.pdf>. Acesso em 12 jun. 2020.
[4] BRASIL. AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES. Dados Abertos. Banda Larga Fixa (Serviço de Comunicação de Multimídia – SCM). Abril, 2020. Disponível em: <https://www.anatel.gov.br/paineis/acessos/banda-larga-fixa>. Acesso em 12 jun. 2020.
[5] BRASIL. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. DIRETORIA DE PESQUISAS. PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICÍLIOS CONTÍNUA 2017-2018. Acesso à Internet e à Televisão e Posse De Telefone Móvel Celular Para Uso Pessoal 2018. IBGE: Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=2101705>. Acesso em 12 jun. 2020.
[6] “Art. 4º […] § 4º Na hipótese de o empregado não possuir os equipamentos tecnológicos e a infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, do trabalho remoto ou do trabalho a distância: I – o empregador poderá fornecer os equipamentos em regime de comodato e pagar por serviços de infraestrutura, que não caracterizarão verba de natureza salarial; […]”. BRASIL. Medida Provisória Nº 927, de 22 de março de 2020. Dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19), e dá outras providências. DOU de 22.3.2020 – Edição extra. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv927.htm>. Acesso em 12 jun. 2020.
[7] “Art. 75-D. As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito”. BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em 10 jun. 2020.
[8] Incluindo, mas não só: “Art. 5º […] X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em 12 jun. 2020.
[9] “Art. 50. Os controladores e operadores, no âmbito de suas competências, pelo tratamento de dados pessoais, individualmente ou por meio de associações, poderão formular regras de boas práticas e de governança que estabeleçam as […] as ações educativas, os mecanismos internos de supervisão e de mitigação de riscos e outros aspectos relacionados ao tratamento de dados pessoais”. BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). DOU 15.08.2018. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709compilado.htm>. Acesso em 12 jun. 2020.
[10] “Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: […] III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;”. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. DOU de 11.01.2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em 12 jun 2020.