Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 90% das empresas brasileiras têm perfil familiar.
Enquanto profissionais atuantes na área empresarial e societária e, objetivando não apenas a facilitação dos negócios, mas também sua perenidade, entendemos que é de fundamental importância a implementação de medidas que tragam maior confiança na relação mantida entre os sócios e, para além disso, que mitiguem riscos oriundos de possíveis conflitos familiares.
É interessante pontuar que a pesquisa também mostra que empresas familiares longevas, algumas, inclusive, muitíssimo conhecidas como Votorantim fundada em 1918; Gerdau fundada em 1901; Magazine Luiza fundada em 1957, têm em comum, dentre outras questões, a adoção de boas práticas de governança para conseguirem conciliar a tradição, a continuidade familiar e a inovação com a manutenção da atividade empresarial.
A tarefa certamente não é das mais simples e envolve uma gama de interesses, assim como, esbarra em diferentes conflitos, inclusive de cunho geracional, que demandam um tratamento para com os sócios, e não raras vezes no seio familiar.
A governança corporativa, segundo o IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa) “é o sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas”. Note-se que há um conjunto de práticas que são usadas com o intuito de fortalecer a organização e a administração do negócio.
O maior erro do empresariado é pensar que a implementação de boas práticas é essencial apenas para grandes empresas e acabam deixando de lado maiores preocupações com o tema. Mas o fato é que são ferramentas importantes que podem e devem ser instituídas até mesmo em pequenas empresas, não só como uma sustentação para o crescimento já que profissionaliza a gestão, mas também como forma de preservar o legado empresarial.
Nesta temática, o acordo de sócios e o protocolo de família são um dos principais documentos de governança em uma empresa familiar e, adiante veremos que a implementação destes acordos é mais acessível do que se imagina e trazem vantagens imensuráveis às partes.
- Acordo de sócios
Pode-se afirmar que é umcontrato parassocial, ou seja, paralelo ao contrato social, e tem por objeto estabelecer de maneira detalhada o exercício de deveres e direitos entre os sócios e entre estes para com a sociedade. As questões ali tratadas, normalmente não são obrigatórias no instrumento de constituição. Aliás, por uma questão estratégica e muitas das vezes confidencial, não é inserida no ato constitutivo.
Na legislação brasileira, o acordo de acionistas está previsto no artigo 118 da Lei das Sociedades por Ações, podendo ser aplicado por analogia nas sociedades de quotas de capital. Para tanto, é importante consignar no ato constitutivo a aplicação supletiva da referida lei. Eis que o Código Civil é omisso quanto à existência e admissibilidade do acordo de sócios, dispondo apenas que “é ineficaz em relação a terceiros qualquer pacto separado, contrário ao disposto no instrumento do contrato”.
No artigo 118 da Lei das S/A restam consignadas matérias para serem objeto dos acordos, a saber, compra e venda de ações; direito de preferência, exercício do direito de voto ou do poder de controle. Porém, outros temas podem ser tratados pelos sócios, bastando que o acordo preencha os requisitos de validade jurídica previstos no artigo 104 do Código Civil, quais sejam, agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; forma prescrita ou não proibida em Lei.
Por se tratar de negócio jurídico, até mesmo as sociedades simples, como sociedades de advogados, médicos e outros profissionais que estabelecem relação entre si ao prestar serviços à sociedade, podem formalizar acordos de sócios.
Em se tratando de sociedades limitadas ou sociedade por ações de capital fechado, não há obrigatoriedade de dar publicidade ao documento. Ou seja, diferente do contrato social ou do estatuto social, o acordo não precisa ser levado a registro se não houver interesse em validá-lo contra terceiros. É exigido apenas que o documento seja arquivado na sede da empresa.
Por se tratar de um contrato, podem os sócios exigir até mesmo judicialmente o cumprimento das obrigações ali definidas, seja pelos outros sócios que assinaram o acordo, ou até mesmo contra a empresa.
Obviamente não é permitida a participação de terceiros, pois, é restrito aos membros da sociedade, mas, há que se ressaltar que não é necessário que seja firmado por todos os sócios.
1.1 Principais Cláusulas
Como destacado acima, entende-se que as matérias constantes no artigo 118 exemplificam o que pode ser objeto do acordo, sendo imperioso avaliar as expectativas dos sócios e a validade jurídica do que se pretende ajustar. Além das questões elencadas no referido dispositivo legal, destacamos abaixo algumas cláusulas recorrentes:
- Lockup – proíbe a venda de participação no capital social durante um determinado período;
- Shotgun – forma de solução de litígio por meio da qual um sócio pode forçar o outro a vender a sua participação ou comprar a do sócio ofertante (“ou compra tudo, ou vende tudo”);
- Tag Along (Direito de Venda Conjunta) – para estabelecer que, em caso da venda das ações de um acionista a terceiros, os outros também possam vender suas ações pelas mesmas condições. Evita que o sócio ou acionista seja obrigado a conviver na empresa com novos sócios, com os quais, pode não se identificar;
- Drag Along (Obrigação de Venda Conjunta): para estabelecer que se o acionista/sócio majoritário receber proposta poderá vender também as ações dos minoritários em conjunto com as suas, desde que nas mesmas condições;
- Diluição ou antidiluição resultante de investimento;
- Não competição – para impedir que os sócios participem de atividades que possam concorrer com aquela praticada pela empresa;
- Forma de composição dos órgãos da sociedade;
- Sucessão;
- Protocolo Familiar
Já o protocolo familiar é um documento direcionado a todos os membros da família que possuem vínculo com a sociedade empresária, podendo tal vínculo ser direto ou indireto.
É também mais abrangente e envolve questões mais sensíveis, pois, a família precisa estar alinhada já que os temas podem repercutir no negócio. Em função disso, tem sido bastante utilizado nos planejamentos sucessórios.
O IBGC o define como “… um acordo, firmado entre todos os membros da família. Seu conteúdo descreve a história da família empresária, seus valores e princípios, deveres e direitos, com regras sobre o relacionamento entre os membros da família e entre estes e a empresa”.
2.1 Principais Cláusulas
Os familiares podem dialogar e deliberar acerca de várias questões, mas abaixo destacamos aquelas que tendem a ser objeto de maiores discussões, justamente porque interfere na individualidade de seus membros. Em contrapartida, do ponto de vista coletivo, são mitigados possíveis conflitos familiares, objetivando a preservação do legado da família.
No que concerne à família em si, é possível incluir, por exemplo: (i) Princípios e valores da família; (ii) Registro da memória da família; (iii) Estruturas de governança familiar como Conselho de Família; (iv) Estilos de vida dos familiares; (v) Regimes de casamento a serem adotado pelos familiares; (vi) Preparação das novas gerações; (vii) Gerenciamento de conflitos; (viii) Normas para separação da família e da empresa.
Já nos temas mais diretamente ligados à empresa, pode-se incluir critérios para (i) Definição de quem pode trabalhar na empresa; (ii) Remuneração dos familiares que trabalham na empresa; (iii) O uso de bens e serviços da empresa; (iv) A distribuição de dividendos/lucros; (v) Quem pode se tornar sócio; (vi) Saída da sociedade; (vii) sugestões de cláusulas a serem elencadas nos documentos societários das próprias empresas e também para os casos em que os membros da família empreendam em negócios particulares e não coloquem em risco o patrimônio da família.
- Desafios na implementação e sua importância para perenidade dos negócios:
É possível notar como principal desafio na implementação do Protocolo de Família o engajamento de todas as gerações envolvidas no negócio. Aliás, a mesma pesquisa do IBGE mencionada no início do texto, divulga que apenas 30% das empresas familiares no Brasil chegam à segunda geração.
Os conflitos geracionais são os mais comuns, pois, de um lado muitas das vezes há resistência à mudanças por parte de membros da família, de outro, a nova geração possui uma visão de negócio diferente e até mesmo inovadora e importante para manutenção da empresa, mas, a família empresária não possui um alinhamento e visão bem definida quanto às expectativas do negócio.
No tocante ao acordo de sócios, o interessante seria instituí-lo de forma concomitante à constituição da empresa e anterior à eventuais conflitos e dúvidas entre os sócios. Para além disso, quando se pensa em crescimento saudável e estruturado de uma empresa, o mínimo é que os sócios tenham segurança nas relações mantidas.
Contudo, não raras vezes as partes acabam postergando as tratativas sobre o assunto, seja porque dialogar a respeito gera um certo desconforto, seja porque muitos acreditam que os documentos pouco influenciam na manutenção do negócio.
A questão, inclusive já detalhada no início, é que tanto o acordo de sócios quanto o protocolo de família contribuem para uma maior gestão da empresa e reduz possibilidade de conflitos entre os sócios e em última análise, reduz despesas com disputas e litígios, que podem ser evitados.
- Conclusão
É importante destacar, por fim, que o acordo de sócios deve complementar o contrato social e, neste sentido, não pode conter regras que contrariem a legislação ou o próprio contrato social.
Também não se pode confundi-lo com o Protocolo de Família, mesmo porque, nem todo membro familiar é ou será sócio no futuro. Trata-se de documentos distintos, mas cada um com sua relevância na resolução de impasses da família e das empresas, sendo também complementares entre si.
Considerando que as desavenças sobre os rumos da empresa podem inviabilizar a continuidade das operações, levando a disputas judiciais que se eternizam e trazem prejuízo a todos, é de fundamental importância uma assessoria especializada para acompanhamento e elaboração dos documentos em questão, com vistas a examinar as particularidades de cada negócio e família e as práticas a serem adotadas em cada caso, mitigando riscos e conflitos de diversos tipos. Ademais são importantes aliados nos planejamentos sucessórios e para a manutenção da atividade empresarial, ou melhor, do negócio da família.
Juliana Pereira Ambrosio
OAB/PR 68.218